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Contextualização do poema épico As TransBonitas



O poema As TransBonitas é um poema épico escrito no estilo do verso heroico alternativo e dedicado à comunidade lgbt e a todas as comunidades que também lutam contra a opressão, como as pessoas trabalhadoras sexuais, sem abrigo, precárias, ambientalistas, feministas, entre outras. 

O estilo heroico alternativo revela, juntamente com o título, que o poema visa virar ao contrário os valores culturais retrógrados e antigos que, através de um conservadorismo cego, negam e oprimem a vida de tantas pessoas que se afastam da vida social e culturalmente (!) imposta pelo patriarcado cis hétero normativo. (Neste sentido, este poema pode ser considerado um exemplo de contra cultura)

Este estilo vira ao contrário um dos poemas mais famosos de Portugal, um dos poucos grandes poemas épicos do mundo - Os Lusíadas, conhecido pelo esquema rimático ABABABCC, com dez silabas métricas e acentuação tónica na sexta e décima silabas (com algumas variantes), assim, o estilo inverso, tendo o mesmo tamanho (dez silabas métricas com a mesma acentuação tónica) tem um esquema oposto, portanto, AABCBCBC, literalmente inverso, simboliza o poema alternativo, acusando de partida que trará consigo significados novos para a humanidade, para uma humanidade que muito mudou os seus valores em meio milénio. 

O título não tem um nome masculino, tem um nome feminino que pode subentender pessoas, As (pessoas) TransBonitas, um título que nega, de partida, identidades de género fixas ou submetidas a uma cultura focada na masculinidade. No título não se indica um povo pensando numa nação, nem qualquer tipo de patriotismo focado em determinada direção, o título indica as pessoas Trans, ainda na onda de inversão de papéis e significados. 

O termo “TransBonitas” nega a ideia de beleza segundo a qual uma pessoa que troque de expressão de género se torna “feia” como uma vez li num comentário infeliz, que realmente me fez pensar em que raio de definição cultural de beleza nos baseamos, para que se acabe a ouvir tal desprezo por pessoas que tanto se esforçam por serem elas mesmas e se exprimirem com tanta profundidade e honestidade. 

Assim, juntei o termo “Trans”, que invoca tudo o que está relacionado com a identidade de género, ao termo “Bonitas”, dizendo, então, de partida e numa epopeia, que as pessoas Trans são exemplo de beleza, e o termo é ampliado para incluir toda a gente que sinta que faz parte dessa comunidade abstrata que chamamos comunidade lgbt, ou comunidade queer, etc. 

As TransBonitas tem um plano narrativo, histórico, mitológico e reflexivo, no seu conjunto rescrevem a emancipação, a dignidade, a consolação, a coragem, a solidariedade, a beleza, o heroísmo, a esperança.... As pessoas que viveram nas sombras são elevadas para a igualdade iluminada que lhes é devida e as divinas criaturas são puxadas cá para baixo, porque a humanidade é deusa de si própria, e pode resolver todos os seus problemas, se assim quiser, se assim lutar.

O estilo épico clássico, com adaptações, será uma provocação para trazer questões difíceis para a superfície e quer que a história lgbt se torne parte da cultura geral, passo fundamental para a plena integração social das pessoas não hétero normativas, cis e/ou não binárias. 

(Resumo do poema a partir daqui)

Este poema está dividido em dez cantos, num total de 1127 estrofes. 

No canto 1, a proposição, a invocação e a dedicatória, a narração começa in media res. No final de cada canto há uma reflexão diferente, com o objetivo de ir construindo novos significados. No primeiro canto a reflexão final é sobre as dificuldades para a emancipação. 

A narrativa tem como personagem principal um homossexual, Alexandre, que não vai ser um herói dentro dos moldes que conhecemos, vai ser uma pessoa normal, que faz parte da comunidade, inventado para representar as dificuldades e os caminhos percorridos pelas pessoas de minorias oprimidas e, também, para se criar uma narrativa. 

A narrativa principal da vida dessa pessoa normal (versus a tradição de só narrar as pessoas de grande “mérito social”) vai-se cruzar com um “plano histórico” e com um “plano divino”. O plano histórico conta a história da comunidade lgbt e o plano divino aprofunda os significados com imagens metafóricas e torna a narrativa mais divertida. O plano divino não tem qualquer conotação religiosa, nem crente, o que é confirmado quando a personagem Deusa da humanidade (Hominum) diz que é invenção da humana gente e não vice-versa. A identidade de género de cada “Deus” depende da perspetiva da pessoa que vê essa entidade, ou seja, não são “homens” nem “mulheres”, são ambos ou nenhum, ou algo intermédio, como cada qual preferir imaginar. 

No canto 1 descreve-se a vida boémia e a rutina de Alexandre, um jovem homossexual que não sabe como viver a sua emancipação e que sofre as dificuldades absolutamente normais e mundanas do amor, da festa, do trabalho (ou falta dele), do álcool, do sexo, etc. Neste canto, por exemplo, o plano divino é usado para unir metáforas a informação científica de como nos devemos proteger contra doenças sexualmente transmissíveis, num episódio em que um anjo (Serafim) se veste de enfermeiro para explicar a Alexandre como é que ele se deve proteger, para poder viver mais emancipado e de forma segura, visto que nunca teve uma educação sexual verdadeira. 

O canto 2 é especificamente dedicado ao trabalho sexual, Alexandre vê-se sem comida e sem trabalho depois de andar a saltar de trabalho precário em trabalho precário, quando vê a oportunidade aceita e, depois, durante este canto, percorre um pouco vários tipos de trabalho sexual, várias dificuldades e realidades. Encontra pessoas com quem constrói amizades que vão simbolizar outras realidades do trabalho sexual. Não são retratadas como pessoas frágeis ou fracas, há entreajuda, umas partilham casa, protegem-se e vivem livres, emancipadas. 

No plano divino o Deus da humanidade conversa com a Lua (simbolizando a luz da noite) e questiona-se porque é que a sociedade maltrata as pessoas trabalhadoras sexuais, diálogo usado para problematizar a questão, dando vários argumentos e explicando vários sistemas que são usados para lidar com o assunto, desde a criminalização à descriminalização. 

A reflexão final é sobre o significado da dignidade, e aqui muda-se o significado de dignidade usando as trabalhadoras sexuais como exemplo de como a dignidade não está em seguir normas preconceituosas e fúteis, mas sim em quem somos enquanto pessoas, pelo que nos construímos e pelo nosso pensamento livre. 

No canto 3 o tema muda, o trabalho sexual, contudo, torna-se parte do cenário mundano da personagem principal. Continua na boémia, com os seus problemas afetivos, e sem encontrar resposta para a vida, sentindo-se perdido e sem consolação acaba a consumir drogas descontroladamente. 

O plano divino é uma reunião entre deuses e demónios que começam a fazer um plano de vingança contra Hominum, esse episódio serve para introduzir os problemas ambientais do planeta, provocados pela humanidade. Então Lúcifer, Satã, Belzebu e Leviatã (os quatro príncipes dos demónios) convencem Zeus, Éolo, Gaia e Poseidon, respetivamente, a rebelarem-se e acabarem com o poder de Hominum – ou seja, as forças naturais a reagirem à destruição do planeta provocada pela humanidade. 

Hominum observa Alexandre e envia um anjo (Gabriel) para lhe indicar um caminho, e esse caminho leva Alexandre até à “Casa das TransBonitas” onde pessoas lgbt eram recolhidas da rua e onde se podia conviver e viver sem preconceito, em liberdade. 

A casa tem uma mãe, que era quem tinha fundado a casa e recolhido a malta perdida, como Alexandre, em homenagem a muitos grupos de pessoas que, mesmo fazendo parte de uma minoria oprimida, conseguiam encontrar espaços de ativismo para recolher e apoiar as outras pessoas da comunidade, também oprimidas. 

A Bela, ou António, de acordo com os dias, como dizia, era a mãe da casa, mais velha e experiente, decide contar a Alexandre a história da comunidade lgbt, porque acha que é importante saber-se e que, certamente, lhe servirá de consolação saber que tem um conjunto de pessoas sem fim que o apoiam. 

A reflexão do canto 3 é sobre onde encontrar consolação na vida. 

Entramos então no plano histórico, narrado por Bela, que o divide entre dois grandes momentos, o “antes de Stonewall” e o “depois de Stonewall”, explica como se vivia na clandestinidade e o nível de opressão absolutamente esmagador antes de Stonewall. 

No canto 4 explica o contexto social que se vivia e que despoletou Stonewall, das várias pessoas envolvidas vai-se focar numas quantas e em especial profundidade dois exemplos: Sylvia Rivera e Marsha P. Johnson, narrando a vida dessas pessoas que viveram a criação do movimento lgbt. 

No canto 5 há uma pausa na história, Alexandre conhece outro namorado (vai tendo vários parceiros) e a esse explica o seu passado, contando assim a sua história até ao momento da “média rés” (na prática, conta a sua vida até ao inicio do poema, na estrofe 21 do canto 1), e aí percebemos que Alexandre foi expulso de casa por ser gay, vive sozinho desde então, foi sem abrigo por uns tempos, teve vários relacionamentos falhados, vários trabalhos precários e que agora vendia sexo por dinheiro – portanto, uma imagem comum no contexto da comunidade lgbt antes de Stonewall.

O namorado Miguel, então, é levado para a casa das TransBonitas, para ouvir o resto da história da comunidade lgbt, agora focando nas décadas de setenta e oitenta, passando pelos primeiros movimentos políticos, como as lutas de Harvey Milk contra a proibição que se tentou fazer de pessoas homossexuais darem aulas, e aí sublinha-se o quão grandes se tornaram as marchas do orgulho, etc. Ainda se refere a pandemia do HIV/SIDA e em especial o facto dessa doença ter sido ignorada pelos governos até ao momento em que heterossexuais começaram a morrer, um episódio triste na história humana, que bem mostrou como as pessoas não heterossexuais e não cis eram maltratadas e desprezadas. 

No canto quinto conta-se tudo até +/- o presente e dá-se perspetiva de novas lutas pela frente e das vitórias, referindo, contudo, que a vitória, neste momento, ainda é uma ilusão, porque ainda há (no momento de escrita) oito países onde é oficialmente punido por pena de morte ter relações homossexuais, facto suficiente para tirar o sono a qualquer ativista e é apenas a ponta dos problemas que estão por resolver. 

As reflexões dos cantos 4 e 5 usam a comunidade lgbt que esteve nestas lutas históricas como exemplo de coragem (diferente dos músculos dos filmes comerciais) e solidariedade (diferente da caridade de nariz empinado). 

No canto 6 a voz torna-se mais animada, os tempos tornam-se melhores e o poema torna-se menos sombrio (esta inversão progressiva simboliza, também, que o movimento partiu da clandestinidade oprimida para a luz emancipada, onde é possível fazer as nossas próprias vidas e sermos, quem sabe, pessoas felizes). 

Esse canto é dedicado ao transformismo artístico e às pessoas trans no geral, então Alexandre torna-se numa Drague Queen profissional (Rebeca Pink) e muda de trabalho, trabalhando então como artista numa discoteca gay. Outro amigo surge que se torna seu novo namorado, Lucas. 

A reflexão final desse canto é sobre o conceito do Belo, acabando por se explicar um pouco o título do poema, e tal como as trabalhadoras sexuais são usadas para exemplificar dignidade, as pessoas trans são usadas como exemplo de beleza. 

Nesse canto, paralelamente, há uma guerra divina entre Hominum e outras entidades divinas suas amigas e as que se revoltaram contra ele, como Zeus e os outros demónios. Hominum vence essa luta, mas fica mudado. 

O canto 7 é simplesmente dedicado ao amor, é aqui que Alexandre finalmente assenta a sua vida pessoal e afetiva, com o irmão de Lucas, ou seja, tem ainda uma traição pelo meio, porque as vidas verdadeiras nunca são simples, nem evidentes. Ludwig torna-se o seu último namorado e no final há uma reflexão sobre o amor (Não podia fazer um poema destes sem parar um bocadinho para saborear o amor XD ). 

Hominum é apaixonado pela Melodia, uma Deusa em si, simbolizando o amor da humanidade pela música, mas a música também é libertadora e revolucionária, por isso não se poderia coadunar com os crimes da humanidade, contudo, a melodia apaixonou-se por Ludwig, um pianista, e reconheceu a beleza de um amor simples entre duas pessoas normais e ao acaso, vivendo as suas vidas (versus a admiração clássica de deuses por heróis sobre-humanos/nobres etc). Essa admiração faz com que essa deusa desafie Hominum a reconhecer os seus demónios como parte dele (a humanidade reconhecer os seus problemas) e que os derrote. Hominum, então, vai engolir cada demónio e cada demónio torna-se parte dele, isto vai simbolizar o reconhecimento, por um lado e, por outro, torna-se parte de nós porque nos esforçamos agora para a resolução (em vez de negação). 

O canto 8 é dedicado aos restantes ativismos, não é possível exemplificar todos, mão são exemplificados vários conforme Alexandre vai participando em vários ativismos, isto simboliza, por outro lado, a humanidade esforçando-se ativamente por resolver o mundo. 

A reflexão final do canto 8 é sobre o heroísmo, usando ativistas que andam nas ruas como exemplo de heroísmo, de novo, um heroísmo novo e muito diferente do que se vê nos filmes de guerras e de super heróis (e escusado será dizer que é um heroísmo diferente das outras epopeias). 

No canto 9 a comunidade divina resolve os seus problemas, organizam-se numa República Divina do Cosmos, tendo como representante eleita a deusa Gaia. É um canto muito feliz e festivo, num mundo que já é diferente do nosso, porque apesar dos poemas épicos serem sobre o passado, aqui começo a sonhar o futuro e a escrever o futuro livre de opressões, por isso a “recompensa” é para a humanidade (ativista) e não é por uma conquista territorial, ou por outro tipo de vitória vazia, é por se alcançar um mundo sustentável e livre de descriminações. 

Alexandre casa com Ludwig, Apolo casa com Dioniso (isto tem grande significado do ponto de vista da arte apolínea e dionisíaca definidas por Nietzsche), Hominum casa com Melodia (com a música). O casamento era aberto a toda a gente e foi festejado com música, a deusa Melodia enfeitiçou a música com o seu poder e fez com que toda a humanidade fosse transportada para o mundo rosado e púrpura do cosmos divino (representa a transcendência humana da música, a música enquanto ponte com o divino). 

A recompensa divina veio para toda a humanidade, que é transportada por grandes naus espaciais pelo espaço fora até outro planta, a Terra do Agora, onde todas as pessoas, com toda a sua diversidade, puderam dançar na derradeira festa em conjunto com todas as divindades.

O Dj da música é Dioniso, e Apolo trata da iluminação “psicadelicamente” transcendente. No final, fundem-se todas as artes e racionalidades num momento de iluminação artística, que descrevo como se fosse um fractal de Mendelbroth (não se pode morrer antes de descobrir esse fractal!). 

A reflexão, neste canto sobre o futuro, é sobre a esperança. Como se este momento futuro de pura felicidade e liberdade emancipada fosse o sonho que iluminou a esperança de todas as pessoas ativistas que lutaram em tempos de clandestinidade. E não só a esperança dessas pessoas, mas de todas as pessoas normais que, enquanto jovens, se descobrem bis, gays, lésbicas, transsexuais, assexuais, pansexuais, não binárias… e que sonham com esse momento em que terão uma vida livre e feliz, cheia de divertimento e significado. 

O canto 10 é o último, com ele acaba a narrativa, quando Alexandre fuma uma ganza vê Hominum e tem uma conversa com ele, em que faz várias perguntas e recebe respostas ambíguas, essas perguntas posicionam a humanidade nas suas questões mais existenciais e filosóficas. Com o fim dessa conversa, a narrativa termina quando Alexandre descobre que, devido ao seu alcoolismo de uma vida boémia pesada, tem cirrose. Tentam fazer uma operação, mas durante a opressão é infetado por uma bactéria multirresistente (em breves anos vai ser uma das principais causas de morte). Morre muito poeticamente de mãos dadas com o seu marido na estrofe 106 do canto 10. 

Nas últimas estrofes, as reflexões finais, as razões pessoais de fazer um poema destes e as conclusões.

A primeira versão deste poema está disponível neste blogue.

Francisco Pascoal,
9 de Dezembro de 2018

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